quarta-feira, julho 19, 2006

Dramaturgia do Texto

O ponto de partida para o professor Pedro Matos relativamente à dramaturgia de um espectáculo é definido sempre pela transformação da narrativa onde para cada texto é necessário um processo diferente.

No exercício-espectáculo dos alunos do 2º ano da Escola Superior de Teatro e Cinema a sustentação da dramaturgia é constituída pelo texto (Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança de António José da Silva, o Judeu), o Mito do Quixote de Cervantes (via de acesso para a construção das personagens) e o Barroco (a conceptualidade barroca, a construção em abismo, a necessidade de deformação, a questão formal das formas que aparecem do corpo do actores). A temática é definida pela natureza, as viagens em par, a festa e a bebedeira e o surgimento de revelações ao longo dos diálogos das personagens.

A metodologia de trabalho do professor deve ser assegurada pelas primeiras impressões, onde se começa a perceber o próprio texto. Para Pedro Matos, uma peça não deve ser ensaiada de seguida porque senão a primeira cena fica bem ensaiada e a última não. Um dos pontos fundamentais para um bom ensaio é o aquecimento, período essencial para se adquirir a concentração necessário para o bom desempenho dos actores.

A partir das linhas de força da dramaturgia (ponto de partida, bases e temática) a construção das personagens pelos actores e sua distribuição de papeis é feita através de uma ferramenta prática, a improvisação. Deste modo os actores devem ir ao encontro do encenador através de propostas descobertas ao longo do seu processo criativo e da sua ligação com os objectos e situações. O encenador deve, então, apelar à inteligência dos actores na escolha do melhor sentido a seguir através de conceitos e imagens, tanto ao grupo como ao individual.
Em termos de cenografia, o professor definiu a primeira parte como um espaço vazio, despojado de qualquer cenário, apenas definido pela interpretação dos alunos do próprio texto, pelos figurinos, pelos adereços e pelas luzes. Na segunda parte do exercício-espectáculo a cenografia ganha importância definindo o espaço teatral (árvores, jardim dos fidalgos, a ilha flutuante de Sancho determinada pela ideia de planos).

Contextualização Histórica – O Barroco

O termo «barroco» foi utilizado pela primeira vez em meados do Século XVII em sentido pejorativo como sinónimo de decadência das artes. Etimologicamente a palavra deriva do português designando uma pérola não perfeitamente esférica, irregular. Posteriormente terá passado ao francês e, daí, ao italiano e ao alemão. Só no final do Século XIX é que o termo seria resgatado através dos estudos e sistematizações de H. Wölfflin que o utilizou para designar um conceito fundamental da arte e o definiu como um estilo que marca a dissolução do Renascimento ou a sua degenerescência e oposto ao Classicismo. É Wölfflin ainda que estabelece as coordenadas temporais da época – tendo a arte italiana por modelo: nascimento por volta de 1520, maturidade cerca de 1580, uma segunda fase que se afirma cerca de 1630 e se prolonga até 1750, quando é finalmente suplantada pelo gosto Neoclássico. Estas balizas subsistem, grosso modo, até hoje, com algumas reavaliações: assim, considera-se em geral uma data mais ou menos equidestante de 1520 e 1580 como início de algo que se prolonga até cerca de 1630, a que se deu o nome de Maneirismo; e há quem separe, a partir de cerca de 1700, a emergência do Rococó como uma manifestações já autónoma em relação ao Barroco.

O Barroco atinge o seu auge em pleno Século XVII, época de uma profunda crise económica, social e política na Europa. A formação progressiva do conceito de nacionalidade, o apogeu da Contra-Reforma e do Absolutismo, as descobertas científicas de Galileu (que modificaram profundamente a concepção do Universo), foram determinantes para a evolução do Barroco.

A ciência atravessa um período esplendoroso sem precedentes influenciando todas as esferas da vida humana, contribuindo para a criação de uma nova mentalidade. A teoria heliocêntrica (concepção energética e dinâmica do mundo) dá lugar à queda do geocentrismo bíblico onde a dimensão humana inclina-se para a visão do infinitamente grande, o macrocosmos assume valores filosóficos inéditos.

A crise das consciências provocada pela reforma protestante constituiu mais uma força de dissuasão para a transformação da relação Universo / Homem: a cultura barroca criou uma nova percepção do incomensurável «desígnio divino» e uma nova mitologia religiosa. Como contestação à reforma luterana (Protestante), a arte cristã trona-se austera e circunspecta, resgatando a religiosidade e a introspecção. Posteriormente, a necessidade das monarquias demonstrarem o seu poder absoluto e incontestável tornaram a arte sumptuosa e exagerada retirando-a da exclusividade da esfera religiosa para a instalar nos palácios.

O período Barroco caracteriza-se por um preenchimento total dos espaços (abundância e ostentação de formas e riquezas aliada a uma emoção excessiva), pela grandeza dos espaços, pelo movimento, pelas formas arredondadas e dinâmicas (como os floreados), mas também como sendo uma era da fusão máxima das artes sob a dialéctica do dolcere, delectare e movere (ensinar, deleitar e comover) onde o espectacular (festa, luxo e aparatos grandiosos) e a teatralidade (efeitos produzidos, aparências, trompe l’oeil, onde tudo é pensado para criar um efeito) assumem-se como elementos chave.

Com tais características, o Barroco ambicionava seduzir e encandear os sentidos (volúpia estética), inibir através do medo (magnitude dos espectáculos e da arquitectura) e reforçar a ideia de ilusão (mise-en-abyme, teatro dentro do teatro). A cena transforma-se pela primeira vez em ilusão, independente da realidade, um mundo ilusório, um mundo de sonhos. A ilusão e o sonho são a alma do teatro barroco.

Assente numa visão da realidade e numa retórica metafórica do mundo (“all the world is a stage”), a teatralidade do Barroco é colocada ao serviço de uma causa: o poder político. O teatro surge como uma arma, um exercício de demonstração de poder político. O Barroco é o grande momento das festas públicas promovidas e executadas pelo poder civil e religioso para celebrar acontecimentos como nascimentos e bodas reais, recepções de embaixadores, canonizações. Ocorrem, igualmente, uma variedade de celebrações populares em que o povo intervêm, tanto como espectador como executante, onde a festa adquire pleno e totalmente o seu sentido participativo. Mas estas festas, como em muitos outros aspectos da vida social da época, são objecto do mais rigoroso controlo do poder estabelecido que procura a ostentação, propaganda e promoção de fidelidade.

Luz

A peça varia entre dois espaços: o espaço interior, estabelecido somente por uma luz geral porque é um local que se define quando o habitamos; e o espaço exterior, onde tudo pode acontecer – é o local de aventuras, que ora ocorrem de dia ou ao nascer da aurora, bem como durante a noite.

É a luz que inicia o espectáculo e o público invade o palco durante a construção das personagens. A cena vai sendo progressivamente «pintada» pela relação do claro-escuro, dando vida às sombras e não expondo em demasia. Quando o coro se forma, já vemos nitidamente os Quixotes e Sanchos que temos perante nós.

As aventuras do par Quixote e Sancho ocorrem sob a aura do rubicundo e os raios de sol trespassam as árvores. Na ilha de Sancho Pança o público transforma-se em audiência perante um tribunal. Nas árias os quadros paralisam e é criada a verdade da ilusão.
No final, a luz que lentamente vai iluminando o telhado oferece-nos o céu perante a queda de D. Quixote. Seu companheiro, Sancho, saí pelo túnel iluminado sem que nos apercebamos para onde irá.

Desenho de Luz


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Colocação dos Projectores

PROJECTORES FRESNEL – Contras Geral (Patch: 33, 34, 35, 39, 40 e 42)

Colocação dos projectores para contraluz, criando zonas homogéneas e difusas, retirando as sombras provenientes dos actores e do cenário e dando dimensão à cena.

Projectores 39, 40 e 42 (vara 06) – quase picados, de modo a iluminar o fundo e o meio do palco.
Projectores 33 ao 35 (vara 05) – colocados a 45º, de modo a iluminar o meio e a face do palco.

PROJECTORES PC 1.000Kw – Contras Azul (Patch: 32 e 41)

Colocação de filtro de cor azul para efeitos nas cenas nocturnas e nas canções (árias), preenchendo a totalidade do palco.

A vara 06 tem dois projectores ligados no mesmo canal (41) e iluminam do fundo até ao meio do palco.
A vara 05 tem dois projectores ligados no mesmo canal (32) e iluminam do meio até à frente de palco.

PROJECTORES PC 650Kw – Contras Âmbar (Patch: 31 e 37)

Colocação de filtro de cor âmbar para efeitos nas cenas de nascer do dia e nas canções (árias). Sendo projectores de fraca potência foram colocados três projectores em cada uma das duas varas de modo a preencher a totalidade do palco.

A vara 06 tem três projectores ligados no mesmo canal (37) e iluminam do fundo até ao meio do palco.
A vara 05 tem três projectores ligados no mesmo canal (31) e iluminam do meio até à frente de palco.

Nota: Tendo em conta que as varas ficam sem bambolinas, todos os projectores Contras serão vistos a «olho nú» pelos espectadores. Desta forma, será necessário precaver se algum dos “contra” incidirá sobre a visão do público.

PROJECTORES PC – Frentes Geral (Patch: 02, 04, 08, 11, 24, 25, 26, 27, 29, 36)

Iluminação de toda a cena ou grandes partes dela duma maneira uniforme, dando visibilidade ao actor e profundidade à cena na qual se move. Servem para criar zonas difusas e homogéneas, onde o actor pode movimentar-se no plano de luz sem encontrar zonas de sombra. São colocados de forma simétrica (igual distância uns dos outros) e paralela entre si e com os respectivos “contras” (FRESNEL). De modo a controlar o feixe luminoso (existem zonas que não são necessárias iluminar como as pernas) são colocadas palas em todos os projectores PC.

Projectores 02, 04 e 08 (vara 01) – colocados a 45º para iluminar a boca de cena
Projectores 26, 27 e 29 (vara 02) – colocados a 45º para iluminar o meio do palco
Projectores 11, 24 e 25 (vara 03) - colocados a 45º para iluminar o fundo do palco
Projector 36 (vara 03) – colocados a 45º para iluminar o Monte Parnaso

PROJECTORES RECORTES (Patch: 03, 07, 09, 13, 14, 19, 22, 30)

Projector 03 (vara 01)– colocado a 45º e “recortado” de modo a produzir o efeito de caminho que atravessa a totalidade do palco.
Projector 07 (entre as varas 02 e 03 à Esq.) – Colocado a 45º com filtro corrector azul de modo a iluminar o corpo e a máscara do Apolo. Recorta a área com luz difusa.
Projector 09 (vara 01) – colocado quase totalmente picado iluminando o corredor de entrada.
Projector 13 (vara 02) – colocado a 60º e “recortado” de modo a produzir o efeito de caminho vertical na americana, interligando-se com o efeito produzido com o projector 03.
Projector 14 (entre as varas 03 e 04 à Dta.) – Colocado a 45º iluminando a janela de entrada de actores.
Projector 19 (vara 04) – Colocado a 45º com efeito de bola difusa iluminando a cena «Montesinos».
Projector 22 (vara 02) – Colocado quase totalmente picado iluminando frente Esq. do palco para as cenas «Encapuçado» e «Perigo». Recorta a área com luz difusa.
Projector 30 (vara 04) – Colocado a 45º para fazer de reforço ao efeito do caminho e do corredor.

PROJECTORES IODINE (Patch: 16, 23 e 28)

Projector 16 – colocado completamente picado sobre a plateia de modo a iluminar na sua totalidade. Serve de luz de público.
Projector 23 - colocado completamente picado para o telhado para produzir efeito na última cena do exercício-espectáculo.Projector 28 – colocado nas escadas da saída traseira para produzir efeito na última cena do exercício-espectáculo.

Rider Técnico

Espaço Cénico
Dimensões do palco: 8,90m X 8,00m
1ª parte:
Zona de bastidores criada com panejamentos pretos nas laterais da rotunda;
Cortina americana preta no fundo do palco;
Chão: preto
2ª Parte:
Sem zona de bastidores:
Cortina americana preta no fundo do palco;
Chão: preto

Som
01 – Mesa de Som (com saída para 02 amplificadores e entrada para
02 leitores de CD)
02 – Leitores de CD
02 - Amplificadores
02 – Colunas de Som (colocadas na boca de cena, uma de cada lado)

Comando de Luz
01 – Mesa de Luz ETC (48 chanels) com protocolo de ligação DMX 512
02 – Rack Dimmers de 24 canais

Projectores
06 – Projectores FRESNEL ADB (F 101) 1.000 Kw
09 – Projectores PC Robert Juliat (cedidos pela ESTC) 1.000 kw
04 – Projectores PC ADB (C 101) 1.000 Kw
07 – Projectores PC ADB 650 Kw
06 – Projectores RECORTE Prelude 650 Kw
02 – Projectores RECORTE Source Four 50º (575 HPL)
03 – Projectores IODINE Nocturne 1.000 Kw

Acessórios
06 – Porta Filtros para PC ADB 650 Kw
04 – Porta Filtros para PC ADB (C 101) 1.000 Kw
01 – Porta Filtros para RECORTE Prelude 650 Kw
14 – Palas para PC
06 – Palas para FRESNEL

Sonho de Sancho, Sanha de Quixote

Sancho:
(…) Se vossa mercê vira aqueles olhos, que pareciam olhos de couve murciana! O nariz, isso era cair um homem de cu sobre ele; tinha umas mãos de rabo; o corpo parecia corpo de delito, pelo que matava a todos; os cabelos não vi eu, só o que eu vi foram dous piolhos de rabo, que lhes saíam pelos buracos da coifa. (…)
António José da Silva, in Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança



Bebendo da fonte narrativa de Cervantes, António José da Silva, com uma linguagem popular mas alegórica, barrocamente sofisticada, apresenta-nos uma peça com carácter transgressor. E a sátira inicia-se com um rosto joco-sério num corpo alegórico de uma mulher inexistente; um drama social onde entre a ficção e a realidade a fronteira é ténue. A vida do gordo Sancho Pança é toda ela satirizada, tal como é a vida dos simples mortais, que rastejam na terra, em busca de um sonho impossível (?).

A vida do D. Quixote é uma sanha cavaleiresca, cheia de contrastes; entre aventuras e audácias nas quais tenta ser o salvador do mundo. Uma peça cheia de metáforas, onde se desencadeiam múltiplas acções que se unem como num fio-de-prumo. Um enredo forte, uma rede frágil de acontecimentos, revestidos de idealismo altruísta.

Em Sancho Pança o riso esconde a malícia. Neste jogo paródico encontramos uma comédia séria, onde há personagens mais significativas do que outras. Mas é evidente em todo o enredo essa espécie de paridade funcional.

Como o comenta Armando Nascimento Rosa, no seu ensaio, sobre esta peça, As Metamorfoses no Espaço Imaginário: «nesta operática comédia, o papel desempenhado pelo duplo tem uma importância fundamental e podemos encontrar várias parelhas de personagens, mais ou menos significativas para o decurso da acção; para além da dupla protagonista formada por Quixote e Sancho, temos: Ama/Sobrinha; Barbeiro/Sansão Carrasco; Teresa Pança/Filha; Saloia/Dulcineia; Sansão/Criado; Homem/Leão; Montesinos/Belerma; Sancho Dulcineia; Apolo/Calíope; Fidalgo/Fidalga; Dulcineia/Merlim; Meirinho/Escrivão; Médico/Cirurgião; Sansão/Quixote, etc (...) Nos pares Saloia/Dulcineia e Sancho Dulcineia».

Quanto à parelha nuclear, Sancho Pança «participa a contragosto no universo de interesses de Quixote, já que só se decide a acompanhá-lo, por alimentar a esperança de um dia vir a ser governador da sua desejada ilha» (A. N. Rosa, 1993). Qual líder improvisado, Sancho aproveita a sua centralidade e coloca questões críticas, aos que o rodeiam, relativas ao mundo profissional, dizendo respeito ao sentido de equidade nas relações sociais. Verificamos isso na cena do testamento de Sancho no 1º acto e na cena da “ Ilha dos Lagartos” (renomeada aqui por ilha dos Sotaques) no segundo acto.

Ainda citando Armando Nascimento Rosa, «não fosse o objectivo de Sancho [em atingir a ilha onde governará], sempre lembrado por D. Quixote, e Sancho nunca sairia de casa para a incerteza ameaçadora de aventuras imprevisíveis. Se Quixote é um cavaleiro andante, Pança é um escudeiro relutante (...)».

Vamos assistir à queda divertida deste objectivo, já que Sancho não possui características para uma bem sucedida liderança. E aí somos interpelados para uma leitura mais profunda dos mecanismos do poder. Dos que se arrastam na terra, tentando alcançar o tal sonho impossível (?), e dos que ascendem meteoricamente, e uma vez detentores desse mesmo poder manipulam toda uma sociedade, que, inerte, assiste ao espectáculo da decadência de valores: ora sorrindo, ora reclamando, ora conformando-se.

Uma saga satírica, que retrata o quotidiano de vidas. Esta vida fictícia que só a arte de representar pode tornar bem mais real. Porque o palco, como o escreveu Oscar Wilde, apesar de ser um mundo imaginário, pode tornar a arte mais real do que a vida.

Animados por uma ambição, por vezes ambicionamos algo mais do que aquilo que podemos alcançar e é aí que o drama acontece.

Num paralelismo com figuras do imaginário popular angolano, D. Quixote personifica o lugar de «N´zumbi» forte, com os seus amuletos estranhos, sacia um desejo incomunicável. Já Sancho Pança é a emanação de uma matéria, ou «N´guzu» frágil, dos que querem mas não podem ir mais além; uma marioneta da própria vida.

António José da Silva mistura o burlesco da sátira com as canções de ópera jocosa, e voos de fantasia «surreal», transportando-nos para uma dramatização espirituosa da famosa história de Cervantes. Entre o Judeu e Cervantes há um denominador comum: ambos fazem uma análise profunda dos heróis do nosso mundo, onde vivemos tão abstractamente os valores éticos, dissimulando-os através de um teatro de bonifrates.

Isabel Vicente

Anotações Soltas

“ (…) Só a realidade conta, vale e pesa. A realidade é ser António José da Silva, o Judeu, um rei, no Teatro do Bairro Alto. Um rei! O povo ama-me: Ri quando eu quero, e de quanto eu queira (…). E não só o povo pequeno. Mesmo os de sangue. Até sua Majestade já se debruça, enfeita e pendura em o Judeu, com outros mui altos o discutindo e por causa dele todos folgando…O Judeu sou eu!
Esta, esta é a realidade.”

Bernardo Santareno, O Judeu (1966) Lisboa: Ática, 1995


“O século, em que estamos, é burlesco, e se o não é para todos, o é para nós. Digam os cultos o que quiserem, se é que se podem entender estes cultos.”
(O Cego Astrólogo António Pequeno, prognóstico particular para o ano de 1742)

José Oliveira Barata, in História do Teatro em Portugal, Lisboa: Difel, 1998


“ O Barroco é profundamente sensorial e naturalista, apela gozosamente para as sensações fruídas na variedade incessante do mundo físico (…) é uma arte acentuadamente realista e popular, armada de um poderoso ímpeto vital, comprazendo-se na sátira desbocada e galhofeira.”
Maria Lucília Gonçalves Pires/ José Adriano de Carvalho, in História da Literatura Portuguesa, Lisboa: Verbo, s/d

Nota Introdutória ao Espectáculo

[...] Cervantes parece encarar muito seriamente, e também muito ironicamente, tanto o jogo do mundo como o contrajogo de Dom Quixote e Sancho Pança. O cervantino é tão multivalente quanto o shakespeareano: ele contém-nos a nós, com todas as nossas profundas diferenças uns dos outros. A sabedoria é tanto um atributo do Dom Quixote como de Sancho, sobretudo quando considerados em conjunto, tal como a inteligência e a mestria da linguagem são qualidades de Sir John Falstaff, Hamlet e Rosalind. Os dois heróis de Cervantes são simplesmente as personagens literárias mais amplas de todo o Cânone Ocidental, excepção feita aquela tripla mão-cheia (no máximo) dos seus pares shakespeareanos. A fusão que eles operam do ridículo, da sabedoria e da indiferença quanto à ideologia só consegue ser igualada pelos mais memoráveis homens e mulheres de Shakespeare. Cervantes naturalizou-nos tal como Shakespeare o fez, de tal maneira que já não conseguimos descortinar o que é que torna “Dom Quixote” tão permanentemente original, uma obra tão penetrantemente estranha. Se o jogo do mundo ainda pode ser situado na maior literatura, então é aqui que ele tem de estar.

Harold Bloom, [Cervantes: O Jogo do Mundo]
O Cânone Ocidental, trad. de Manuel Frias Martins, Lisboa:Temas e Debates, 1997)




1. A Vida do Grande Dom Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António José da Silva, é um dos textos escolhidos para ser representado no âmbito do último semestre do segundo ano do curso de Formação de Actores da ESTC, cujo tema é Teatros do Barroco.

A peça do Judeu, foi inspirada na Segunda Parte da obra de Cervantes, que introduziu o mito tão popular das duas personagens – heróis, que todos conhecem e sobre os quais todos têm uma ideia, sem precisar mesmo de ter lido a obra. São amplamente conhecidos alguns episódios e, sobretudo, esta ideia do par mítico, de cavaleiro e escudeiro, que viajam num território pejado de encontros e missões, fome e fartura, riso e sacrifício, bem como de música, filosofia, justiça e, principalmente, finais adiados. Esses, onde sempre nos arriscamos ao despontar da dúvida na nossa forma de ver as coisas e as pessoas. No livro de Cervantes, como na rota de Russo, Rocinante e respectivos montadores, está sempre presente o caminho fino, fininho, que separa as coisas como elas são, das coisas como elas por vezes nos parecem. Ou não fosse O Sábio um dos cognomes do autor espanhol.


2. Sanchos e Quixotes.
Com este trabalho procurámos dar resposta a uma matriz de objectivos pedagógicos respeitantes à formação de uma turma de alunos–actores. Através da construção e apresentação de um exercício–espectáculo, pretende-se promover a aquisição e a consolidação técnica do actor, levá-lo a fazer uma abordagem prática a um texto importante da dramaturgia portuguesa de modo a que possa perceber a poética subjacente e o seu alcance cultural, e confrontar o aluno com uma metodologia particular de trabalho.

Num primeiro período de ensaios, em paralelo com o estudo da peça em si, partimos para um conjunto de improvisações teatrais feitas na aula, incidindo sobre a identidade das personagens Sancho Pança e Dom Quixote, de modo a explorar estas e a desenvolver algumas possibilidades para a sua criação. Ficou estabelecido que cada actor representaria ou Quixote ou Sancho. A partir deste trabalho inicial, a distribuição das personagens foi feita numa base de cumplicidade com as escolhas de cada aluno que procurámos questionar e provocar, enquadrando estas com as contingências práticas do trabalho e procurando explorar a noção que o actor possui da sua própria formação.

Também neste primeiro momento, começou a materialização das personagens uma vez que, após a sua selecção, foi proposto que cada Sancho e Quixote, isto é, que cada actor e actriz, procurasse armar e vestir o seu cavaleiro ou preparar a mala do seu escudeiro.

Com a bagagem material e intuitiva obtida, arriscámos colocar estas personagens (em desenvolvimento) em jogo nas situações da peça. Procurámos assim, num processo de aproximação progressiva, compreender na prática as cenas e encontrar e fixar gradualmente a sua forma.
Após estabelecidas as bases para a identificação do actor com o texto e com a sua concepção dramatúrgica (que ele próprio ajudou a determinar), procurámos a identidade das cenas. Procurando para cada uma a sua medida particular, a sua forma, espaço, sonoridade, ritmo, poética para passar do geral ao particular. Da percepção dramatúrgica para a concretização da dramaturgia na cena, para a comunicação do texto, das personagens e para a ampliação do seu sentido através da encenação (ou orquestração). Da ideia de personagem para o acto da representação. Do texto para a linguagem.

E finalmente, nos últimos ensaios, procurar a transparência e a transcendência necessárias à consolidação do discurso de cada actor e à orquestração geral do espectáculo. Isto é, trabalhar a afinação e o respeito pela “partitura” teatral como a via de acesso ao momento desejável em que a obra que se ensaiou tem a capacidade para nos ultrapassar, e deixar de ser nossa.


3. O texto representado difere do original nalguns cortes operados para conter a sua extensão. Na primeira parte estes são pontuais e na segunda um pouco mais extensos, sendo a cena 1 abreviada e a cena 5 reduzida a um mote.

Mantiveram-se a maior parte das canções. Sabendo que desta ópera não ficou nem uma partitura para a posteridade, as canções, com uma excepção, são adaptações das partituras oriundas de As Variedades de Proteu (1737), ópera em três actos de A.J.S. com música de António Teixeira, o seu habitual compositor. O trabalho musical sobre os coros falados presentes no texto e restantes momentos musicais foram propositadamente compostos para este espectáculo. Este notável trabalho, de composição, adaptação e adequação musical, bem como o seu ensaio com os actores, é da autoria da Profª. Sara Belo, professora da disciplina de Voz.


4. Uma Viagem é um solo fértil. Há quem diga que três pessoas é o número ideal de viajantes em qualquer jornada. Talvez que pela solidão da unidade se diga isto. Viajar a dois, por outro lado, expõe ao desgaste, à crise. Expostos a uma convivência contínua, na coexistência diária com um outro, sempre nossa testemunha, necessariamente diferente, crítico.

Porém é no confronto com o outro que nos revelamos e nos descobrimos a nós próprios. Que nos podemos tornar mais sábios colhendo os frutos que o conhecimento de outras possibilidades para além das nossas, pode trazer. É quando as nossas ideias e convicções são postas em causa frontalmente que podem começar a evoluir. Só em par podemos estar frente a frente com outro. Não há Sancho sem Quixote, nem Quixote sem Sancho.

Fazer travessias a dois é o melhor que há, mesmo por entre ventos e tempestades. Agradeço a todos os meus alunos mais esta oportunidade. Para todos nós, votos de que sempre encontremos um par que nos possa dizer, embarca-te Sancho, que hás-de achar uma ilha.


Lisboa, 24 de Junho de 2006
Pedro Matos

O Teatro como Quixote da Memória

Revisitar um texto de António José da Silva neste espaço chamado de Teatro da Politécnica desperta-me desde logo uma ressonância simbólica em termos de memória teatral relativa às últimas décadas do século XX. De facto, a designação Teatro da Politécnica surgiu em 1989 para denominar uma efémera mas significativa estrutura teatral lisboeta (1989-1992), dirigida pelo encenador Mário Feliciano (1951-1995), que ocupava então um espaço do Museu de História Natural da Escola Politécnica, diferente daquele que hoje se dá pelo mesmo nome. Se bem que esse primeiro Teatro da Politécnica se tenha estreado aqui com um espectáculo consagrado a um outro António dramaturgo e português mais recente (D. João e a Máscara, de António Patrício), a memória que desejo sublinhar hoje é o facto de ter sido o fundador do Teatro da Politécnica o primeiro encenador português (e até agora penso que único) a internacionalizar a obra de António José Silva nos palcos e língua italianos; ou seja no país cuja cultura teatral exerceu um ascendente assinalável sobre as óperas joco-sérias do malogrado autor luso-brasileiro. É em 1980 que Mário Feliciano, no contexto da Bienal de Veneza e após um período de discipulado junto de Luca Ronconi, encena com actores italianos as Guerras de Alecrim e Mangerona, de António José da Silva, que ele traduz para a língua de Goldoni com a colaboração da lusitanista Luciana Stegagno Picchio.

Um quarto de século depois, num espaço cénico que herdou o nome da companhia de Feliciano, é a vez de assistirmos à Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança, num contexto de colaboração feliz entre duas casas filhas de Garrett: o Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema e o Teatro Nacional D. Maria II. Metade das turmas de alunos do 2º ano de todos os cursos de Teatro da ESTC (a outra metade está na Sala-estúdio do TNDM com Qorpo Santo) contribuem para a realização deste exercício-espectáculo dirigido pelo docente de Interpretação Pedro Matos. Sob a temática curricular do Barroco no teatro, impunha-se o confronto com a dramaturgia silviana, a mais brilhante e paradigmática de um Barroco português, tardio, satírico, e ameaçado de morte. Porque por mais que o exorcizemos, não é possível minorar o quanto o destino funesto do indivíduo António José da Silva se cola à sua obra truncada, como símbolo histórico de atentado à liberdade criativa, à expressão artística publicamente dirigida à vida da pólis; em suma, é um assassinato cuja sombra acompanhará sempre todo o autor dramático português, como exemplarmente o exprimiu em teatro Bernardo Santareno n' O Judeu (1966).

Algumas palavras sobre a peça em si aqui resgato a seguir, de uma conferência que sobre ela proferi em Évora, em 1993 (As Metamorfoses no Espaço Imaginário).
O par formado por Quixote e Sancho antecipa, tutelar, no que de patético e existencial contém, outras parelhas masculinas mutuamente dependentes, como sejam: Laurel & Hardy, no cinema; o palhaço pobre e o palhaço rico, no circo; e os vagabundos beckettianos Vladimir e Estragon.

D. Quixote quer ser salvador do mundo; Sancho o salvador da sua pele. Quixote em demanda de Dulcineia mostra andar em busca de si mesmo, de uma razão mobilizadora da sua existência que se encontraria ilusoriamente fora de si; ou seja, ele procura trazer à luz a sua interioridade inconsciente a que a Psicologia Analítica chama de anima, projectando-a numa mulher hipotética, cujas supostas metamorfoses enganadoras podem surgir sob a forma de uma saloia, de um espantalho falante, ou até do próprio Sancho, que se vê incomodamente confundido pelo seu amo (uma paródia de género que nunca ocorreu a Cervantes, pelo menos textualmente falando).

Como muitos o afirmaram já, Quixote personifica comicamente o lugar do espírito, com os seus fabulosos anseios alimentados por uma subjectividade incomunicável, enquanto Pança assume, logo pelo seu corpo inscrito no nome, a figuração da matéria orgânica, ou pelo menos os instintos que a esta associamos. De um modo ou de outro, a dialéctica que ambos encenam exprime uma dualidade intrínseca ao humano. Não cabe a Sancho, ainda assim, o privilégio do cómico, porque as audácias sonhadas pelo espírito participam intensamente do bathos paródico, em virtude do desfasamento vivencial a que conduzem o indivíduo por elas aguilhoado, abrindo um fosso que o separa dos demais, no qual nem a linguagem pode fornecer uma resposta expressiva e duradoura a essa solidão essencial. Daí a justeza da máxima de Teixeira de Pascoaes: «Um cavaleiro é sempre um Dom Quixote, uma paródia do Espírito.» (1) E é no espaço imaginário que encontramos esse intrépido cavaleiro, sempre insatisfeito com os pedregosos desfiladeiros da vida material, de tal sorte que confunde os cíclicos moinhos dela com inimigos valorosos.

Os episódios da saga quixotesca, que foram rescritos em drama por António José da Silva, são quase exclusivamente oriundos da segunda parte da narrativa de Cervantes. Sem intenção de empreender um exaustivo estudo comparativo, há elementos curiosos que se destacam, mesmo numa breve leitura, que relevam da criação original do dramaturgo português. Um deles é a identificação da ilha governada insensatamente por Sancho, chamada por Cervantes de ilha Barataria. António José da Silva designa-a e recria-a como ilha dos Lagartos (rebaptizada neste exercício como ilha dos Sotaques). Trata-se provavelmente de uma sátira ao estatuto pessoal e social de Sancho, que só lhe permitirá concretizar os seus devaneios de grandeza sobre os mais rasteiros seres da terra, isto é, aqueles que se movem rastejando no solo.

Um outro aspecto assinalável reside na metamorfose de funções que a personagem do bacharel Sansão Carrasco sofre na peça silviana. Este surge na ficção cervantina como um ilustrado interlocutor ocasional de Quixote, que informa o cavaleiro acerca dos feitos famosos atribuídos à sua pessoa e que correm o mundo na letra impressa dos cronistas, prometendo Sansão compor, a pedido de Quixote, um acróstico com o nome de Dulcineia del Toboso (capítulos III e IV da segunda parte do texto de Cervantes). José da Silva, por seu turno, transforma a personagem, concedendo-lhe o papel de antagonista, ao serviço da Ama e da Sobrinha, com várias aparições ao longo da peça, com o fito de dissuadir Quixote da sua delirante empresa. Como se o dramaturgo ampliasse a importância desta personagem a partir da sugestão semântica do seu nome: Sansão é aquele cuja força é roubada por uma mulher, ficando então o bíblico herói de cabeça rapada à mercê de Dalila; já Carrasco é sinónimo de algoz, executor de torturas e penas capitais. A personagem criada por Cervantes adquire na peça silviana uma correspondência entre o seu nome e as suas acções: ao orientar as suas forças sob as ordens da Ama e da Sobrinha, este Sansão é o carrasco dos sonhos andantes de Quixote.

Sintomática será também a escolha silviana no que respeita à fantasiosa batalha com os moinhos, levada a cabo pelo herói da triste figura. Na peça, não são os emblemáticos moinhos de vento, mas sim os moinhos de água que, aos olhos de Quixote, aparecem como um castelo onde um inocente é mantido prisioneiro. Esta peripécia vai o dramaturgo buscar ao capítulo XXIX, igualmente pertença da segunda parte do texto de Cervantes: Da famosa aventura do barco encantado.

A imagem de um D. Quixote, embarcado e libertador, acometendo contra as rodas de uma azenha, ante os gritos dos moleiros armados de varapaus, preferiu-a José da Silva nesta sua ópera titereira (episódio que aparece cenicamente citado no presente exercício). Se terá sido ou não motivado a isso pela marítima vocação lusíada, certo é que um D. Quixote navegante em busca de novas façanhas é uma cena cómico-marítima bastante adaptada ao imaginário da assistência a que se endereçava o espectáculo. Permito-me especular que estivesse presente para o autor - ele próprio andarilho e foragido dos mares, provindo do Brasil em criança - essa suspeição face ao rosto deveras quixotesco da epopeia oceânica, empreendida pelos portugueses, conforme comenta Eduardo Lourenço, «(...) por nos termos literalmente fundido, em espaços, sonhos maiores do que nós, espaços ou sonhos descentrados do seu sujeito criador». E conclui Lourenço: «Dos dois países, outrora rivais, o mais quixotesco não é aquele que é o berço do Herói, mas o nosso.» (2)

Através desta sua comédia, enxertada da obra cervantina, António José da Silva acabou por enunciar essa convicção, pela metamorfose operada em Quixote, pondo-o a falar no palco a língua portuguesa.

Armando Nascimento Rosa



Notas bibliográficas

(1) PASCOAES, Teixeira de, São Jerónimo e a Trovoada. Lisboa: Assírio & Alvim, 1992, p. 57
(2) LOURENÇO, Eduardo, Nós e a Europa ou as duas razões. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, p. 84.

terça-feira, julho 04, 2006

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Ficha Técnica/ Artística

Vida do Grande D.Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança
A partir da obra homónima de António José da Silva, o Judeu

Exercício–Espectáculo pelos alunos do 2º ano do Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema

Direcção de atelier: Prof. Pedro Matos

Alunos participantes

Curso de actores: (Nomes e Personagens)

Bruna Félix
(D.Quixote, Teresa, Saloia, Homem da corda, Poeta, Condessa Trifalde)
Bruno Vicente (D. Quixote, Imperador, Criado de Sansão Carrasco, Belerma, Poeta, Fidalgo 1)
Cristiana Castro (D. Quixote, Filha, Diabo, Dulcineia, Escrivão)
Fábio Ferro (D.Quixote, Sansão Carrasco, Poeta, Figura das velas, Taverneiro, Embuçado)
Filipa Duarte (Sancho Pança, Leão, Musa)
Iolanda Santos (D.Quixote, Calíope, Merlin, Homem do Burro, Invasor)
Jorge Cabral (Sancho Pança, Anjo, Homem do Leão, Apolo, Fidalgo 2)
Miguel Damião (D. Quixote, Poeta, Meirinho, Fidalgo 3)
Rita Brutt (Sancho Pança, Ama, Cupido, Poeta, Fidalga)
Rosinda Costa (Sancho Pança, Sobrinha, Figura Bem Vestida, Porco)
Vanda Cerejo (Sancho Pança, Barbeiro, Morte, Montesinos, Musa, Injustiçados, Invasor)

Curso de Design de Cena: (Cenários, Adereços e Figurinos)
Amália Buisson, Catarina Roriz, Joana Ferrão, Mariana Lobo, Nuno Teodósio, Patrícia Ameixial, Rita Penas

Curso de Produção:
Assistência de Encenação: Raquel Belchior
Desenho e Operação de Luz/Som: Hugo Cortez
Produção Executiva: Sónia Tobias
Programa: Hugo Cortez, Raquel, Belchior, Sónia Tobias

Curso de Dramaturgia:
Apoio ao Programa: Isabel Vicente

Professores associados ao Atelier:

Curso de Actores: Sara Belo (Voz), Jean Paul Bucchieri (Corpo), Domingos Morais (Música e Espaço acústico), José Pedro Caiado (Apoio à Sonoplastia)
Curso de Design de Cena: José Espada, Teresa Mota, Graça Rodrigues
Curso de Produção: Miguel Cruz, Marisa F. Falcón
Curso de Dramaturgia: Armando Nascimento Rosa

Co-Produção: Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema e Teatro Nacional D. Maria II

Música: La Folia: Yo soy la loucura
Compositor: Du Bailly
Interpretação: Montserrat Figueras, Andrew Lawrence-King (arpa), Pedro Estevan (percurssão), Hespèrion XXI, La Capella Reial de Catalunya
Direcção: Jordi Savall

Agradecimentos:
Bruno Dias, David Palma, João Viegas, Raquel Paz, Sérgio Afonso, Dra. Susana Ramos

Duração do Exercício-Espectáculo: 2h30 (com intervalo de 10m)

Postal



Postal do exercício-espectáculo
Design: Nuno Barbosa

Cartaz


Cartaz do exercício-espectáculo
Design: Nuno Barbosa

Sociologia dos Públicos

Estratégias de públicos para o exercício-espectáculo Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António José da Silva, o Judeu.
Como actuar perante os públicos? Que públicos interessam?

Com quatro apresentações numa sala com capacidade para 130 lugares, totalizando 520 cadeiras, é necessário criar estratégias na captação de públicos onde as especificidades de um exercício escolar implica vantagens e desvantagens perante a concorrência cultural, e não só.

A «explosão» da sociedade industrial e tecnológica, ocorrida na segunda metade do século XIX, deu a possibilidade à população de dispor de mais tempo e dinheiro destinados ao lazer e divertimento. Neste sentido, o conceito de arte e cultura foi sendo adulterado e modificado até aos nossos dias. Foram gerados novos produtos para serem consumidos por massas: rádio, cinema, televisão e internet. A música e o teatro passaram a ser consumidos através de espectáculos de entretenimento e de grande envergadura.

A televisão, o cinema, os espectáculos musicais e teatrais, bem como as novas potencialidades da internet são alguns dos grandes concorrentes na captação do público para este exercício-espectáculo.

Mas a concorrência não surge somente de outras ofertas culturais que ocorram na mesma altura em que a peça terá as suas apresentações. Junho e Julho são meses em que as escolas secundárias terminam e as Universidades se encontram em época de exames e avaliações. Por outro lado, estando no Verão também poderá ser um forte concorrente tendo em conta que é a época do ano onde as pessoas, geralmente, preferem espaço abertos a fechados, e onde alguma parte da população se encontra de férias. E claro, não podemos esquecer que estamos em 2006, ano em que ocorre mais um campeonato do Mundo de futebol e onde os jogos de Portugal paralisarão todo um país faminto de emoções fortes.

Sendo um exercício de alunos de uma escola, o grande público estará mais susceptível a outro tipo de consumos culturais inclinando-se, desta forma, na procura de imaginários, símbolos recorrentes, estereótipos, repetições e na exultação dos seus sentimentos que os grandes eventos proporcionam. São espectadores de divertimentos e consumidores culturais que procuram um bem cultural susceptível de reforçar o seu prestígio social.

Não sendo um espectáculo determinado como uma obra «final e concluída», mas antes um exercício de apresentação do trabalho desenvolvido ao longo de um processo de aprendizagem, deve ser considerado digno de interesse pelo seu estatuto elevado de prática educativa.

Dentro do seu contexto escolar, onde parte da população se distingue por compreender as ambições de colegas e alunos, a definição do público-alvo engloba alunos, professores e funcionários. Alunos e professores são os espectadores perfeitos no sentido em que absorvem a complexidade de uma estrutura textual e representativa e compreendem os antecedentes genéricos de uma produção cultural, possuindo uma relação verdadeira com a obra. O interesse da restante população escolar, os funcionários, prende-se com a procura de um prestígio social suscitado pelo consumo de um bem cultural aliado ao puro prazer de assistir, num contexto de lazer, ao trabalho de pessoas com quem partilham grande parte do seu dia. Deste modo, deve haver uma forte divulgação junto de alunos, professores e funcionários sobre a realização da peça, onde o «boca-a-boca» ganha força através de transmissão de informação e convites efectuados pessoalmente.

A vida de um aluno não gira somente em torno do ambiente escolar. Dentro do seu círculo pessoal, amigos e familiares dos intervenientes no exercício-espectáculo serão um público privilegiado que terá a oportunidade de assistir ao trabalho desenvolvido ao longo de dois anos de formação. O «boca-a-boca» continua a ser factor decisivo da divulgação e promoção da peça.

Outros públicos que se pretende atingir são os alunos que estão a terminar o 12º ano e que vem a possibilidade de ingressar num curso superior de teatro. Sendo assim é necessário enviar informação sobre a peça para escolas secundárias, escolas profissionais de artes, e respectivos conselhos pedagógicos e directores de turma.

Por outro lado, pretende-se captar públicos específicos ligados à procura de novos e potenciais talentos na área representativa, tais como directores artísticos de teatros e companhias, encenadores, programadores de salas de espectáculo, agências de casting e agenciamento de figuração e actores para anúncios e programas televisivos. Para tal, devem ser enviados convites, tanto a nível institucional como pessoal.

Existe igualmente um público mais cultivado que se poderá interessar pela peça, pelo autor, pela época representada, ou simplesmente pelo Teatro em si.

A gratuidade do exercício-espectáculo e a aproximação do Teatro da Politécnica a uma dos locais de diversão nocturna, o Bairro Alto, podem ser dois factores importantes na captação de públicos diversos. A falta de dinheiro devido à crise em que o país se encontra pode levar pessoas à peça. É uma parte da população que gosta de consumir cultura mas que não têm poder de compra para o fazer. Para início de noite nada melhor que um espaço junto de um dos maiores locais da «noite» lisboeta. Situado numa artéria de Lisboa, o Teatro da Politécnica representa um local de fácil acesso através de transportes públicos, pese embora a dificuldade de estacionamento a que a cidade está sujeita. Todas as informações relativas à peça devem ser introduzidas no material gráfico e distribuído pelo Bairro Alto.

Um exercício nunca terá a visibilidade que um grande evento cultural alcança pela mediatização dos mass media, mas deve-se adoptar várias medidas estratégicas de promoção e divulgação para se «atingir» os públicos alvo definidos, sem esquecer a restante população. Assim, é necessário criar um dossier de imprensa e um press release que será enviado a todos os meios de comunicação social (televisão; imprensa escrita – jornais diários, gratuitos, semanais e quinzenais, revistas mensais e semanais, agendas culturais –; rádios; agências de notícias; portais de divulgação cultural), bem como a líderes de opinião (críticos, jornalistas, entre outros). Para que a informação não fique esquecida é necessário um contacto directo e constante com os media para elaboração de noticias e entrevistas. Devem ser igualmente criadas parcerias com órgãos de comunicação social para a passagem de spots e anúncios publicitários, bem como a oferta de bilhetes através de passatempos.

Por último, e de modo a potencializar o uso actual da internet, deve-se criar um blog (
atuailha.blogspot.com) como um diário da criação que acompanhará o processo de construção do exercício-espectáculo e no qual todos os intervenientes poderão partilhar as suas ilhas. Numa segunda fase, o blog será difundido na escola junto de colegas e professores, sendo estes últimos convidados a criarem um texto relativo ao exercício, ao autor ou à peça. Posteriormente, em todo o material gráfico e de divulgação será feita a referência ao blog servindo como mais um meio de difusão da peça junto do público. Durante as apresentações, o público que assistir ao exercício será convidado a deixar um comentário, uma impressão sobre o que acabou de assistir.

Ensaio 06 de Junho 06


No primeiro dia de ensaios no Teatro da Politécnica novos mundos foram descobertos e tudo foi colocado às avessas para receber o nosso aventureiro Quixote, o seu companheiro Sancho e os demais que fazem vários papéis.

terça-feira, junho 20, 2006

Ensaio 01 de Junho 06

DIA MUNDIAL DA CRIANÇA
E por ora fechamos mais um capitulo. Fazemos as malas e tal como os cavaleiros andantes partimos para novas aventuras com espada na mão.
"Ora adeus, ó pátria amada."
Próxima ilha: Teatro da Politécnica.

Ensaio 30 Maio 06


Depois de se tocar a sinfonia, canta o CORO

Ensaio 29 Maio 06

Ensaio 25 Maio 06



Vulto

quinta-feira, maio 25, 2006

...

Tão alegres que viemos,

e tão tristes que tornamos.

pede um desejo

Oh, afortunado Sancho, que foste tão feliz, que chegaste a ver sem encantos e transformações aquela deidade humana! Dize-me: é formosa?

Ensaio 15 maio 2006

Ensaio 11 maio 2006

Assim o dispõem os astros, e os fados o determinam.

terça-feira, maio 09, 2006

Ensaio 08 maio 2006


SOLENIDADE

segunda-feira, maio 08, 2006

Seguir para onde?

Seguir para onde?
de regresso às aventuras, e às viagens procurando o amor sem corpo... até onde ficção ou verdade?
Seguir para onde?
O relógio não pára. Os ponteiros marcam sonhos e o desejo de novos destinos.
Seguir para onde?
Pouco importa, partimos de novo «porque o caminho faz-se a andar»
Somos Sanchos e Quixotes, e eles metáforas dos nossos sonhos.


Co-elaboração hugo c. / raquel b.

Ensaio 04 maio 2006

já vejo que sois verdadeiro cavaleiro andante,
e negá-lo não posso.

Ensaio 02 maio 2006




MUNDO ÀS AVESSAS



ilusionismo

onde tudo é trocado











criar o testamento - objectos e receitas que se tiram da roupa/corpo para a elaboração de um bolo que se guarda no cofre antes da partida

Ensaio 27 abril 2006

CASTIGAR INSOLENTES E ENDIREITAR TORTOS

Ensaio 06 abril 2006

FLAUTA DO QUIXOTE - o encantamento da canção
Sancho e Quixote sentem-se perdidos após várias batalhas
Burro e cavalo invisíveis
Sancho abre o livro para procurar Dulcineia
Reza - Diz-me como ela era...
Descrença na fé
É necessário exprimir o mais eficazmente cada cena

Obra

António José da Silva, cujas peças ficaram conhecidas como a obra do «Judeu», foi autor do chamado teatro de bonifrates (bonecos articulados), escrevendo peças à altura designadas por óperas. Sob influência da ópera italiana, estas óperas desenvolveram-se substituindo os actores por bonecos articulados, sendo as cenas principais concluídas por árias cantadas. A esta influência do melodrama italiano se juntou a da comédia espanhola, que então dominava o teatro português. A obra do dramaturgo é significativa mais pela concepção do que pelo volume, apresentando uma sátira mordaz de observação, tanto a aspectos da vida setecentista como a certos grupos sociais e profissionais.

A sua obra inicia-se em 1733 com Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança. No ano seguinte escreve Esopaida ou Vida de Esopo. Seguem-se então obras de inspiração greco-latina como Os Encantos de Medeia (1735), Anfitrião ou Júpiter e Alcmena e Labirinto de Creta (ambas de 1736), ambos de 1736. A sátira é uma constante na imaginação criadora do dramaturgo e a sociedade em que vive fornece-lhe imensas temáticas. No ano de 1737 escreve As Guerras do Alecrim e da Manjerona e Variedades de Proteu. A sua última produção ocorre em 1738 com Precipício de Faetonte. É-lhe ainda atribuída a autoria de Obras do Diabinho da Mão Furada.

Todas as óperas joco-sérias, como António José as classificou, foram encenadas na década de 1730 no Teatro do Bairro Alto, deliciando pessoas de vários estratos sociais que ali acorriam para se verem ao espelho e deliciarem-se com as grotescas caricaturas das suas próprias taras e manias.

O dramaturgo recupera a prosa dramática e ridiculariza a sociedade sua contemporânea mas também os padrões clássicos da estética do século que o precedeu e que, apesar de tudo, ainda era bastante cultivada nos saraus aristocráticos. Intencionalmente, António José rejeita os modelos estéticos clássicos e os padrões aristotélicos, como as «consagradas» leis das unidades. As suas obras procuravam sobretudo desmitificar a produção teatral e criar um verdadeiro teatro português. Se não foi mais longe, tal ficou a dever-se tanto ao barroquismo que enformava os gostos da época como à curta existência a que teve direito.

A sua obra seria publicada, postumamente, pelo seu amigo e editor Francisco Luís Ameno, sob o título Theatro Comico Portuguez (1744), cujos dois primeiros volumes contêm as oito óperas de António José da Silva, sem menção dos autores. Apenas Labirinto de Creta, Variedades de Proteu, e As Guerras do Alecrim e da Manjerona foram publicadas em vida, nos prelos de António Isidoro da Fonseca, entre 1736 e 1737.

Apesar de uma obra pouco extensa e de uma vida curta, a figura de António José da Silva tem surgido «modelada» como «mártir da Inquisição», aceitando o epíteto com que Teófilo Braga o celebrizou. A sua história inspirou Camilo Castelo Branco, ele próprio de origem judaica, a dedicar-lhe, em 1866, uma das suas novelas – O Judeu. Mas caberia já a um dramaturgo do século XX, Bernardo Santareno, a glória de colocar António José da Silva no panorama teatral, com a peça O Judeu (1966), e na qual alcança um dos mais elevados momentos da dramaturgia portuguesa de todos os tempos pela «narrativa dramática» apresentada. Mais recentemente, a vida do dramaturgo foi encenada por Jom Tob Azulay no filme O Judeu, de 1995.

Vida

António José da Silva, o Judeu
(1705 – 1739)

António José da Silva, conhecido como o «Judeu», nasceu no Rio de Janeiro em 8 de Maio de 1705 no seio de uma família judaica, e entretanto convertidos (cristãos-novos), que se refugiara no Brasil. Era uma família numerosa e abastada, boa presa para os Tribunais do Santo Ofício, que não só procuravam castigar os hereges, como confiscar todos os seus bens. O seu pai, João Mendes da Silva, era advogado e poeta e conseguiu manter a sua fé judaica secretamente. Porém, sua mãe, Lourença Coutinho, foi acusada de ser judia e deportada para Portugal onde viria a ser julgada pela Santa Inquisição. Aos oito anos de idade, António José é forçado a seguir para Lisboa, onde chega em Outubro de 1712, juntamente com os seus pais, irmãos (Baltasar e André), bem como muitos outros membros das famílias Mendes da Silva e Coutinho. Um ano depois, João Mendes da Silva e Lourença Coutinho são condenados às penas de abjuração, cárcere e hábito penitencial, e confisco de bens. António José e os seus irmãos são colocados num lar.

Com apenas 21 anos, e o curso de Cânones na Universidade de Coimbra interrompido, António José é preso pela primeira vez, acusado de levar uma vida pouco confinante com as regras da moral embora já então se esforçasse por parecer um católico praticante. Acusado de práticas judaizantes é duramente torturado, saindo em liberdade depois do auto-de-fé de 13 de Outubro de 1726 sob pena de cárcere e hábito penitencial perpétuo, obrigado ainda a ser instruído nos mistérios da fé. Entretanto, a mãe, vítima regular da Inquisição, é presa novamente em 16 de Outubro de 1729.

Entre a data de saída das prisões do Santo Ofício e a nova prisão do dramaturgo, desta vez acompanhado de sua mulher, Leonor Maria de Carvalho, com quem se casara em 1735, nada se conhece da vida do Judeu que possa ser documentalmente provado. Alguns biógrafos do comediógrafo levantam a hipótese de ter voltado a Coimbra, para aí completar os seus estudos. Outros, recorrendo à reconstituição de um quadro familiar marginalizado por práticas judaizantes, situam-no em Lisboa, exercendo advocacia. Em todo o caso, neste período da sua vida, António José torna-se num aplaudido autor de comédias no Teatro do Bairro Alto. É um escritor prolífico que critica os ridículos da sociedade portuguesa sua contemporânea.

A 5 de Outubro de 1737, António José é novamente preso (provavelmente após denúncia de uma criada) pelo Santo Ofício juntamente com a mulher e a mãe quando participavam na cerimónia judaica do Yom Kipur. Após longo processo, o dramaturgo é publicamente acusado de convicto, negativo e relapso, acabando por ser relaxado em carne, garrotado e queimado no dia 18 de Outubro de 1739. Nesse mesmo auto-de-fé saíram, igualmente, condenadas a mulher e a mãe mas não chegariam a ser sentenciadas com a pena máxima.

Curiosamente, António José da Silva fora condenado por ser judeu e não por ser o autor das óperas joco-sérias que conheciam estrondosos sucessos no Teatro do Bairro Alto, cuja verdadeira autoria a Inquisição desconhecia. Em Portugal cresceu, estudou, criou fama de teatrólogo e, em Lisboa, sua vida chegou abruptamente a trágico fim. O rei D. João V, altos dignatários, Inquisidores, família e toda uma população curiosa assistiram ao seu último espectáculo. Desta vez, sem risos. Com apenas trinta e quatro anos de idade, o Judeu via descer sobre a sua curta vida o pano de boca definitivo.

terça-feira, abril 04, 2006

Ensaio 30 março 2006

A LUZ SERVE PARA DAR VIDA ÀS SOMBRAS
música para criar a verdade da ilusão
multidão de personagens
personagens dispersas pela sala
cada uma em si
cada um encontra-se dentro dos fatos
público invade na altura da construção das personagens

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